O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta 3ª feira (25.jun.2024), por maioria de votos, descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Na prática, a conduta não deve se tornar legal, mas não será mais tratada como crime, não acarretando efeitos penais. O placar, no entanto, ainda não foi fechado porque há nuances nos votos dos ministros.
No julgamento, a Corte também analisa os requisitos para diferenciar uso pessoal de tráfico de drogas, um dos pontos centrais da discussão. No entanto, os critérios ainda não foram definidos pela Corte. A definição sobre esse ponto virá na próxima sessão, na 4ª feira (26.jun).
Atualmente, a Lei de Drogas determina que a definição ficaria a critério do juiz –o que, segundo alguns ministros do Supremo, abre brechas para o enquadramento de pessoas a partir de vieses parciais, e, por vezes, discriminatórios com base na cor da pele de indivíduos.
Ao longo do julgamento, foram apresentadas sugestões pelos ministros de quantidades que variaram de 10 a 60 gramas para estabelecer a diferenciação. Há a possibilidade de que a maioria da Corte convirja para definir como critério 40 gramas.
Os Fachin, Toffoli, Fux e Mendonça defendem que a definição deve vir do Congresso ou do Executivo.
VOTOS
O julgamento terminou sem a definição de um placar. Até agora, votaram pela descriminalização: Gilmar Mendes (relator), Edson Fachin, Roberto Barroso (presidente da Corte), Alexandre de Moraes, Rosa Weber (aposentada) e Cármen Lúcia.
Já Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques votaram contra a descriminalização.
Dias Toffoli e Luiz Fux entendem que a lei em vigor não trata como crime, portanto o artigo é constitucional.
Na 5ª feira (20.jun), quando o julgamento foi retomado, Toffoli havia apresentado um novo entendimento e fez um esclarecimento sobre o voto na sessão dessa 3ª (25.jun). Segundo o ministro, a lei sobre porte de drogas não tem efeito penal e, sim, administrativo.
Toffoli voltou a dizer que entende pela constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (objeto em discussão no Supremo), mas que considera que o trecho nunca penalizou o usuário ou o porte para consumo pessoal. No julgamento, disse que aderiu à corrente de descriminalização.
“O estabelecimento de medidas educativas não viola os princípios constitucionais citados, porque não preveem sanção propriamente dita, mas, sim, medidas de natureza preventiva, sem conteúdo repressivo“, diz o voto de Toffoli.
No entendimento do ministro, o STF não precisaria dar uma interpretação ao artigo, uma vez que o legislador já o fez ao não fixar pena.
“Por isso, desnecessário declarar a inconstitucionalidade da norma, ou, ainda, utilizar a interpretação conforme, para afastar os efeitos criminais decorrentes da condenação pelo art. 28. Afinal, o próprio legislador fez isso. Ele optou formal e legalmente pela descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. É só uma questão interpretativa“, afirmou.
DESCRIMINALIZAÇÃO x LEGALIZAÇÃO
O que se discute no julgamento é a descriminalização do porte da maconha, ou seja, ao descriminalizar a conduta, deixa de ser tratada como crime e não acarreta, por exemplo, na perda do réu primário para quem for flagrado com a quantidade definida pela Corte para enquadramento em uso pessoal.
No entanto, a conduta seguirá ilícita, uma vez que a legalização significa que ato ou conduta passou a ser permitido por meio de uma lei, que regulamenta a prática.
No julgamento, o presidente do STF, Roberto Barroso, voltou a dizer que o Supremo não está legalizando a substância.
“O Supremo não está legalizando drogas, mantendo o consumo como comportamento ilícito, que fique claro”, declarou.
O ministro Dias Toffoli também afirmou que a discussão no Supremo trata da descriminalização e não da legalização.
“Reitero que descriminalização não se confunde com a legalização. A legalização é uma abordagem ainda mais abrangente. Ela não apenas autoriza o porte de drogas para consumo pessoal, mas também regulamenta a produção e a venda dessas substâncias para fins medicinais e recreacionais, similarmente ao que acontece com o álcool e o tabaco”, disse.
O JULGAMENTO
A ação julgada pela Corte questiona o artigo 28 da Lei das Drogas (11.343 de 2006), que trata sobre o transporte e o armazenamento para uso pessoal. As penas previstas são brandas: advertência sobre os efeitos, serviços comunitários e medida educativa de comparecimento a programa ou curso sobre uso de drogas.
O debate no STF tem como base um recurso apresentado em 2011 pela Defensoria Pública. O órgão questiona uma decisão da Justiça de São Paulo, que condenou um homem pego em flagrante com 3 gramas de maconha a prestação de serviços a comunidade.
Os ministros não tratam sobre o tráfico de drogas, que tem pena de 5 a 15 anos de prisão e permanecerá ilegal.
O tema foi para o Supremo em 2015, mas ficou paralisado por pedido de vista do então ministro Teori Zavascki, que morreu em um acidente aéreo em 2017. Ao assumir o lugar deixado por Teori, Moraes herdou o caso e o liberou para votação em novembro de 2018.
Agora, o julgamento está sob a relatoria de Gilmar Mendes.
TENSÃO COM O CONGRESSO
A análise do tema foi um dos pontos primordiais para a tensão instaurada entre Legislativo e Judiciário. O tema em julgamento vem de encontro com a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre Drogas (45 de 2023) aprovada pelo Senado e pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados.
A PEC insere no artigo 5º da Constituição a determinação de que é crime a posse ou porte de qualquer quantidade de droga ou entorpecente. O texto ainda precisa passar por comissão especial.
Segundo o advogado Rodrigo Melo Mesquita, o julgamento ser pautado neste momento pelo STF não é uma resposta ao projeto do Congresso, mas a aprovação da PEC certamente é.
“O Supremo está atrasado em julgar o caso [iniciado em 2015]. A PEC certamente é uma resposta ao julgamento que o Supremo está fazendo”, afirmou.
André Mendonça, que votou contra a descriminalização, afirmou que o STF está “passando por cima do legislador” ao continuar com a maioria favorável. O entendimento do Supremo ao julgar a questão se baseia em uma omissão do Congresso em diferenciar a situação de porte e tráfico.
Os senadores incluíram no texto que tramita no Congresso um trecho para diferenciar usuário de traficante. No entanto, não há critérios claros de como seria feita a diferenciação, o que é alvo de críticas de congressistas contrários à proposta.
A expectativa, segundo Mesquita, é de um embate contínuo por meio de ações de controle concentrado no STF se aprovado o novo texto constitucional pelo plenário da Câmara.
O advogado afirmou ainda que “assim como o Congresso tem competência para legislar o assunto, o Supremo tem competência para decidir a respeito da constitucionalidade dessa norma” se for acionado para o feito.