A farmacêutica Gilead Sciences confirmou nesta quarta-feira que um novo medicamento injetável, aplicado apenas duas vezes ao ano, conseguiu prevenir 100% das infecções pelo HIV na fase 3, a última, de um dos testes clínicos. Os resultados positivos do lenacapavir já haviam sido divulgados, mas agora foram publicados oficialmente na revista científica The New England Journal of Medicine.
Os dados também foram apresentados hoje na 25ª Conferência Internacional de Aids, que acontece em Munique, na Alemanha. O medicamento, que é vendido com o nome comercial de Sunlenca, já tem aval das agências reguladoras, porém para o tratamento de casos de HIV multirresistentes, e não como estratégia de prevenção.
Agora, o novo estudo avaliou o uso do lenacapavir como uma profilaxia pré-exposição (PrEP), ou seja, uma terapia destinada a pessoas em maior risco de contato com o HIV para evitar que sejam contaminadas caso expostas ao vírus.
A estratégia de PrEP para o HIV não é algo novo, porém hoje é feita por meio de comprimidos que são tomados diariamente. Essa modalidade também tem uma alta eficácia, que chega a ser superior a 90%, e está inclusive disponível no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2017.
Porém, ela envolve desafios, como a adesão diária aos comprimidos, que é necessária para a alta eficácia. Por isso, laboratórios têm desenvolvido versões de longa duração, que possam ser administradas apenas algumas vezes ao ano e facilitem a adesão. Até então, a mais avançada era o cabotegravir, da GSK, que precisa ser aplicado somente a cada dois meses e chegou a ser aprovado pela Anvisa em junho do ano passado.
Mas agora, os novos resultados da Gilead Sciences mostram que o lenacapavir também consegue prevenir a infecção pelo HIV, só que permitindo um intervalo de tempo significativamente maior entre as doses: são necessárias somente duas aplicações a cada 12 meses
Embora o remédio seja uma injeção para prevenir uma doença infecciosa, ele não é uma vacina. Isso porque o lenacapavir, assim como a PrEP em comprimidos, não induz o sistema imunológico a produzir defesas próprias contra o HIV. Ele é um antiviral que bloqueia os “caminhos” que o vírus utiliza para se replicar e, para isso, precisa permanecer em constante circulação no organismo.
De forma mais detalhada, uma vacina é algo feito com algum material genético de um vírus ou bactéria, geralmente proteínas enfraquecidas ou inativadas, para que o sistema imune o reconheça a partir daquele fragmento e, com isso, passe a produzir anticorpos e células de defesa contra ele. Em outras palavras, simula a exposição àquele agente infeccioso para gerar a resposta imune.
Dessa maneira, no momento em que o organismo entrar em contato com aquele vírus ou bactéria, ele já terá uma proteção própria, pois o sistema imune já “conhece” aquele agente, e poderá se defender. Já no caso da PrEP, a substância utilizada não induz essa resposta ativa do sistema imunológico.
Ela é um medicamento antiviral que é usado também para tratar pessoas que já vivem com a infecção. Aqui a ideia é manter a droga em constante circulação no sangue para, se a pessoa entrar em contato com o vírus, ela já estar presente e rapidamente impedir a sua replicação, antes que ele consiga causar uma infecção.
Por isso, caso a administração da PrEP seja interrompida, a proteção desaparece. Já as vacinas, por outro lado, podem até demandar novas doses de reforço para elevar a resposta do sistema imune ao longo do tempo, mas a proteção em algum nível se mantém duradoura.
Controle da epidemia de HIV
Mesmo assim, devido à alta eficácia e a necessidade de poucas doses ao ano, o pesquisador de medicamentos antirretrovirais da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, Andrew Hill, disse à AFP que o lecanapavir é “basicamente como se tivéssemos uma vacina”. Além disso, afirmou que o amplo acesso das populações de maior risco ao medicamento poderá levar a um “controle da epidemia” de HIV.
O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) também emitiu um comunicado em que disse “receber com entusiasmo os resultados” e que a inovação “oferece esperança de acelerar os esforços para acabar com a AIDS como ameaça à saúde pública até 2030”.
Isso porque uma profilaxia que tenha a adesão mais fácil pode levar o mundo mais próximo às metas do programa da ONU. Algo necessário já que, embora as lideranças mundiais tenham se comprometido a reduzir as novas infecções anuais pelo HIV para menos de 370 mil até o ano que vem, em 2023 houve 1,3 milhão de novas pessoas diagnosticadas, mais de três vezes o objetivo atual.
Frente ao potencial do lenacapavir, a Unaids pediu ainda que a empresa libere a patente do remédio para permitir a produção genérica e ampliar o acesso em países de média e baixa renda. Caso isso acontecesse, o tratamento, que custa mais de US$ 40 mil por pessoa por ano (cerca de R$ 225 mil) poderia ser de apenas US$ 40 (cerca de R$ 225), estimaram pesquisadores ouvidos pela AFP.