O leilão de compra de arroz importado promovido pela Conab nesta quinta-feira, alcançou quase 88% de adesão e reuniu quatro arrematantes que se comprometeram a fornecer 264 mil toneladas de arroz branco, tipo 1, por R$ 1,3 bilhão para atender a programa social do governo brasileiro, está cercado de suspeitas e será alvo de denúncias e pedido de investigações por parte das entidades setoriais e também de deputados e senadores ligados ao agronegócio.
As entidades e políticos se movimentam no sentido de exigir rigor nas investigações do Tribunal de Contas da União, da Receita Federal e do Ministério Público Federal na avaliação dos arrematantes, quatro empresas estranhas ao setor, com capital social que não condiz com as operações que envolvem centenas de milhões de reais e movimentação internacional e até R$ 45 milhões apenas em caução. A principal suspeita é sobre o uso de empresas “laranjas” no negócio.
Neste leilão, o principal arrematante é um minimercado de Macapá (Amapá), com capital social de R$ 80 mil e que vendeu quase 150 mil toneladas de arroz ao governo, movimentando R$ 736 milhões em arroz. A empresa, com 17 anos de atuação, alterou para R$ 5 milhões o seu capital social recentemente, mas indica um faturamento médio de até R$ 380 mil por ano.
Outra empresa, situada no Distrito Federal, é locadora de equipamentos pesados e terraplenagem, transporte coletivo e venda de vestuário, e negociou 22,5 mil toneladas a R$ 112 milhões com a Conab. No entanto, seu proprietário já participou de outros leilões da Conab, sendo um de 220 mil sacas de milho e afirma que tem contatos em países do Mercosul e no Vietnã para viabilizar o negócio. Uma microempresa com capital social de R$ 110 mil, vendeu 73,8 mil toneladas, R$ 369 milhões, mas é uma trade que opera mesmo no mercado externo e tem origem em Santa Catarina. E uma fábrica de conservas e sorvetes de frutas, do Estado de São Paulo, vendeu 19,7 mil toneladas de arroz, R$ 98 milhões.
“Temos indícios fortes e graves de irregularidades. Não é possível que não seja exigido o mínimo de capacidade de entrega, de garantias, por parte do governo”, disse o deputado gaúcho Marcus Vinícius (PP). O senador Luis Carlos Heinze, também do Progressistas, considerou muito graves as suspeitas apontadas pelo setor. “É uma operação que causou muita estranheza e que exige respostas muito claras e transparência por parte da Conab, do MAPA e do Governo Federal”, afirmou.
Um dirigente da indústria de arroz, que pediu para não ser identificado na reportagem, afirmou que o leilão já era suspeito antes mesmo de acontecer. “O governo não aceitou nenhum argumento da cadeia produtiva de que o abastecimento está garantido, não ouviu ninguém, nem a Câmara Setorial, o recurso que nunca vem para um seguro agrícola decente, o incentivo à produção local ou socorrer produtores nas perdas, surgiu em R$ 7,2 bilhões para fomentar os produtores estrangeiros. E depois, encerra-se o processo com microempresas movimentando R$ 1,3 bilhões de forma muito suspeita. Antes do leilão ser realizado a gente já dizia que ou seria vazio, ou o governo teria uma carta na manga e seria um jogo de cartas marcadas. Agora, isso ficou ainda mais estranho”, declarou.
Para o empresário, as entidades e representações políticas já estão com argumentos suficientes para pedirem uma investigação mais detalhada dos organismos fiscais federais. “Ainda teremos muitos desdobramentos”, vaticinou. No setor arrozeiro gaúcho, é corrente a revolta com a decisão governamental de comprar arroz importado em detrimento do produto nacional. “Que o governo não gosta do agronegócio, em especial de São Paulo para baixo, aonde o presidente e o seu partido não gozam de muita simpatia, todo mundo já sabe. Mas, num momento como esse prejudicar o setor da forma com que estão fazendo, é uma covardia”, afirmou o dirigente.
PREJUÍZO
Ainda segundo o proprietário de uma rede de empresas no ramo arrozeiro, após o leilão, os negócios das indústrias gaúchas e catarinenses com os estados do Sudeste, Nordeste e Norte foram quase todos suspensos. Alguns varejistas chegaram a ofertar R$ 25,00 a R$ 30,00 a menos do que os preços das tabelas por fardo, alegando que precisariam “competir” com o arroz subsidiado pelo governo. “Nestas condições, precisamos nos retirar do mercado e aguardar maior clareza no cenário” frisou.
ARROZ COM LARANJA
Para outro dirigente setorial, que também não quis que o nome aparecesse na reportagem para evitar tornar os arrozeiros alvos de mais retaliações, “o negócio já cheirava mal quando houve a decisão política de importar, ‘brotou’ dinheiro a rodo para comprar de forma subsidiada um produto que não é necessário e de qualidade inferior ao nacional, e que culminou com empresas alheias ao setor sendo beneficiadas em uma situação muito suspeita”. E prosseguiu: “esse arroz importado tem cheiro, cor e gosto de laranja”, ironizou, e concluiu: “Vamos buscar a ação dos órgãos fiscalizadores como a Receita Federal, o Ministério Público, o Tribunal de Contas e dos congressistas”.