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Recentemente, a caixa de entrada de Matthew Schrag foi inundada com e-mails enviados por pacientes e seus entes queridos perguntando se devem ter esperanças em relação a um novo medicamento para o tratamento de Alzheimer. Chamado de aducanumabe, o medicamento recentemente recebeu aprovação acelerada da Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês).
A última vez que a FDA aprovou um medicamento para essa doença devastadora havia sido em 2003.
Mas é pouco provável que Schrag, neurologista do Centro Médico da Universidade Vanderbilt, em Nashville, prescreva essa terapia. “Não sabemos se funciona”, ele pondera, “e os efeitos colaterais podem ser bem consideráveis”.
Nos Estados Unidos, a doença de Alzheimer afeta mais de seis milhões de adultos acima de 65 anos. É a causa mais comum de demência e a sexta maior causa de mortes no país. Após o diagnóstico, pacientes idosos vivem, em média, de quatro a oito anos, e seus familiares buscam desesperadamente qualquer tratamento que possa retardar a progressão da doença e melhorar a qualidade de vida daqueles acometidos pela doença.
Desenvolvido pela Biogen, empresa de biotecnologia com sede em Massachusetts, e comercializado sob a marca Aduhelm, o aducanumabe elimina a forma tóxica de uma proteína chamada beta-amiloide. Essa proteína se acumula no cérebro de pacientes com Alzheimer e pode atrapalhar a comunicação entre as células cerebrais. Alguns especialistas acreditam que a remoção das placas de beta-amiloide pode tratar a causa subjacente da doença.
Dados de ensaios clínicos avaliados pela FDA mostraram que o aducanumabe reduziu efetivamente o acúmulo da proteína amiloide no cérebro e demonstrou sinais de declínio cognitivo mínimo. Isso significa que, diferente dos tratamentos aprovados anteriormente, o medicamento pode retardar a progressão da doença, em vez de simplesmente tratar os sintomas. Porém, a teoria de que a proteína amiloide é o fator principal ainda é amplamente discutida, e a decisão da FDA em aprovar o medicamento com base em evidências incertas logo foi criticada.
“No fim das contas, seguimos nosso procedimento padrão para tomar decisões regulatórias em situações em que os dados não apontam uma conclusão clara”, escreveu Patrizia Cavazzoni, diretora do Centro de Avaliação e Pesquisa de Medicamentos da FDA, em um comunicado enviado à imprensa sobre a decisão da agência. “Como resultado da aprovação do Aduhelm pela FDA, os pacientes com doença de Alzheimer têm um novo tratamento importante e crucial para ajudá-los no combate à doença.”
Mas Schrag e muitos outros cientistas não estão convencidos do potencial do medicamento para retardar a demência. “A prova de eficácia simplesmente não existe”, declara Schrag. “O benefício clínico foi quase imperceptível.”
Funcionários da Biogen se recusaram a comentar o caso.
Processo de aprovação acelerado
Na década de 1980, cientistas analisaram o DNA de pacientes com Alzheimer e descobriram mutações no gene que produz a proteína beta-amiloide. Dentre outras funções, a proteína é importante para o desenvolvimento de células nervosas. Mutações genéticas fazem com que a beta-amiloide forme aglomerados anormais chamados placas, que se acumulam no cérebro. Como já se acreditava que essas placas poderiam ser o gatilho para o desenvolvimento da doença de Alzheimer, as proteínas beta-amiloides rapidamente se tornaram o foco de pesquisas e desenvolvimento de medicamentos.
Embora várias empresas farmacêuticas tenham desenvolvido compostos que reduzem as acumulações de beta-amiloide, nenhum deles conseguiu deter ou reverter a demência. Então, em 2015, evidências iniciais resultantes de ensaios clínicos do aducanumabe sugeriram que, para alguns pacientes com Alzheimer, a eliminação das placas de beta-amiloide parecia estar associada a um ritmo um pouco mais lento de declínio da função cognitiva.
Com base nessa pesquisa, a Biogen organizou dois ensaios clínicos idênticos, porém maiores, chamados Engage e Emerge. Os 3,3 mil participantes — pacientes com transtorno cognitivo leve ou demência leve devido ao Alzheimer — receberam mensalmente um placebo ou uma infusão intravenosa de aducanumabe, em doses baixas ou altas.
Ambos os estudos foram interrompidos em março de 2019, após uma análise de dados provisória independente considerar o aducanumabe um medicamento “inútil”. Embora o composto tenha eliminado os depósitos de beta-amiloide, ele não deteve ou desacelerou o declínio cognitivo, e qualquer benefício aos pacientes foi considerado improvável.
No entanto, a empresa analisou novamente os dados em outubro de 2019, incluindo dados adicionais coletados desde o momento em que a análise de dados provisória começou, até a data em que o ensaio foi encerrado. Através dessa análise descobriu-se que participantes do ensaio Emerge que receberam doses altas de aducanumabe tiveram um declínio cognitivo 22% mais lento ao longo de 18 meses, em comparação com os pacientes que receberam placebo. Esse declínio não foi observado nos participantes do ensaio Engage.
“Não há dúvidas de que esse efeito é estatisticamente comprovável”, comenta Schrag, “mas não sabemos se ele é importante do ponto de vista clínico”. Isso significa que o declínio cognitivo irrisoriamente menor registrado no ensaio não necessariamente pode ocasionar uma melhora na capacidade de memória dos pacientes.
Os críticos do medicamento também apontam seus efeitos colaterais. Cerca de 35% dos pacientes que tomaram aducanumabe apresentaram inchaço cerebral doloroso e, em alguns casos, hemorragia cerebral.
Mesmo assim, a Biotech, em conjunto com a empresa farmacêutica japonesa Eisai, buscou a aprovação da FDA com base nesses resultados estatisticamente favoráveis. Em novembro passado, um painel consultivo independente contratado pela FDA não autorizou o uso do medicamento, argumentando que não havia evidências suficientes de que o composto era benéfico para pacientes com Alzheimer.
Em 7 de junho, indo contra seu próprio comitê consultivo, a FDA concedeu a aprovação acelerada do medicamento. De acordo com a FDA, este tipo de aprovação “destina-se a conceder acesso antecipado a terapias potencialmente importantes para pacientes com doenças graves para as quais há uma necessidade não atendida e em casos em que o medicamento apresenta uma expectativa de benefício clínico, mesmo havendo algumas incertezas em relação a esse benefício”.
Criando um mau precedente
A Biogen e a Esai tem até 2029 para realizar outro ensaio clínico que comprove os benefícios do medicamento para pacientes com Alzheimer. Muitos especialistas argumentam que um terceiro ensaio clínico, idêntico ao Engage e ao Emerge, teria sido a melhor maneira de ter respostas mais conclusivas.
“Neste caso, como os estudos anteriores foram discordantes entre si, teria sido relativamente fácil concluir outro ensaio clínico em dois anos se o medicamento já não estivesse aprovado”, afirma David Rind, especialista em medicina interna e diretor médico do Instituto para Revisão Clínica e Econômica, instituição sem fins lucrativos que realizou uma revisão independente dos dados obtidos no ensaio clínico de aducanumabe. “Esperar nove anos para descobrir se o medicamento é eficaz não traz nenhum benefício aos pacientes.”
Em 2016, a FDA autorizou o uso do medicamento Exondys 51 para distrofia muscular de Duchenne, uma doença genética rara e fatal que afeta os músculos de crianças. A autorização foi concedida apesar dos fracos dados de eficácia e das objeções do seu próprio painel consultivo. Os resultados de um estudo em andamento realizado para confirmar os benefícios do uso do Exondys 51, que pode custar mais de US$700 mil por ano para cada paciente, ainda estão pendentes.
O tratamento com aducanumabe custa cerca de US$56 mil por ano. O custo individual para cada paciente com Alzheimer dependerá da cobertura do plano de saúde. Além disso, exames cerebrais para monitorar efeitos colaterais e outros custos associados ao tratamento aumentam a carga financeira para os pacientes.
“É uma quantidade enorme de dinheiro a ser gasta em um medicamento sem comprovação de eficácia no caso de uma doença que afeta milhões de pessoas nos Estados Unidos”, conclui Rind. E, para a surpresa do especialista, a FDA disponibilizou o medicamento para todos os pacientes com Alzheimer, apesar do fato de os ensaios clínicos terem sido realizados apenas em pacientes com sintomas cognitivos leves.
“É provável que grupos de defesa de direitos de pacientes tiveram um grande papel em convencer a FDA que a aprovação valia a pena”, reflete Walid Fouad Gellad, clínico geral de Pittsburg. “Eles estão dispostos a aceitar a incerteza.” A Alzheimer’s Association, por exemplo, defendeu a aprovação pela FDA.
Muitos médicos e cientistas anteveem conversas difíceis com famílias que podem se sentir culpadas se não oferecerem esse medicamento a seus entes queridos. Mas, embora algumas pessoas estejam felizes com a aprovação, outras a consideram preocupante.
“Eu temo que existam muitos detalhes que uma pessoa desesperada por escolhas não vai analisar a fundo”, afirma Ellie McBroom, principal cuidadora de sua mãe de 62 anos, que mora em Kentucky, diagnosticada com doença de Alzheimer em 2012. “Queremos apoiar avanços e processos científicos, mas é arriscado apressar a aprovação de tratamentos caros que podem não apresentar resultados comprovados às custas de pessoas muito vulneráveis.”
Especialistas também esperam que a recente aprovação não interrompa pesquisas de outros medicamentos para a doença de Alzheimer.
Marc Diamond, do Centro Médico Southwestern, da Universidade do Texas, estuda uma proteína encontrada no cérebro, chamada tau, que tem relação com a perda cognitiva. Proteínas beta-amiloides podem desencadear o surgimento do Alzheimer, mas ele e muitos outros neurologistas acreditam que o acúmulo da proteína tau pode ser a causa de demência, “e é por isso que eu acredito que estudos com foco na beta-amiloide podem não ter mostrado benefícios”, ele conclui.
Diamond está desenvolvendo terapias com foco na proteína tau. No futuro, quando seus medicamentos forem estudados, Diamond espera que a FDA cumpra seus padrões de aprovação geralmente elevados.